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Leandro Vilar

quinta-feira, 28 de março de 2024

A Pérsia através da História

Atualmente chamado de República Islâmica do Irã (ou Irão), no passado ele era chamado de Pérsia. O país ao longo de mais de dois mil e quinhentos anos teve suas fronteiras bastante alteradas. Em determinadas épocas a Pérsia foi um poderoso e próspero império governando quase todo o Oriente Médio e a Ásia Central, mas em outros momentos se tornou uma província de outros impérios. O presente texto apresenta de forma resumida diferentes momentos da história persa, focando-se na perspectiva política-administrativa. 

Império Aquemênida ou Império Persa (648-330 a.C)

Os persas eram um povo nômade e seminômade que habitava a região desértica ao sul do atual Irã. Eles viviam da agricultura, pastoril e comércio, estando divididos em clãs, os quais podiam se reunir sob o comando de um chefe. Entretanto, os persas eram um povo vassalo dos Medos, os quais viviam no Reino da Média, sendo mais poderosos e tendo domínios que estendiam em direção a Mesopotâmia, mantendo alianças com os babilônios. Historiadores gregos apontam que os medos oprimiam os persas cobrando pesados tributos, além de exigir homens para seu serviço militar. 

Mapa dos reinos existentes antes da conquistas de Ciro II. 

Porém, por motivos não conhecidos, um dos chefes persas conseguiu autoridade sobre os demais clãs e foi proclamado o primeiro rei dos persas, sendo seu nome Aquêmenes, figura desconhecida na História, e possívelmente até mesmo um rei lendário. Ainda assim, os persas e gregos o consideravam como o primeiro rei da Pérsia. Aquêmenes rebelou-se contra o domínio medo, proclamando a independência da Pérsia em 648 a.C. (BURGAN, 2009). 

No entanto, essa independência não foi imediata. Após Aquêmenes, seus sucessores Teispes, Ariarâmenes, Ciro I e Cambises I seguiram lutando contra os medos e também contra os babilônios. Uma mudança definitivamente somente ocorreu durante o reinado de Ciro II (r. 559-530 a.C), quando esse finalmente subjugou os medos e os babilônios, anexando suas terras a Pérsia, fundando assim o primeiro império persa(BURGAN, 2009). 

"Eu sou Ciro, o Rei do Mundo, o Grande Rei, o Poderoso Rei, Rei da Babilônia, Rei da Suméria e da Acádia, Rei dos quatro cantos do mundo, Filho de Cambises, Grande Rei, Rei de Ansã, Descendente de Teispes, Grande Rei, Rei de Ansã, A Semente Perpétua da Realeza, cujo reinado Bel e Nabu Amam". (DANDO-COLLINS, 2020).

Ciro II devido as suas façanhas em conquistar a Média, a Babilônia e a Lídia recebeu a alcunha de "o grande", dessa forma, em 540 a.C, um ano antes de sua morte, ele era o senhor do mais vasto império do mundo em sua época, apesar de suas conquistas, ele ainda teve que dar fim a traições, tentativas de golpe de estado e rebeliões contra sua autoridade. (WATERS, 2022). 

Com a morte de Ciro, o Grande seu filho Cambises II sucedeu o pai, porém, governou por 12 anos, tendo se arriscado numa campanha inconsequente pela África. Após conquistar o Egito em 520 a.C, Cambises II aventurou-se pelo deserto saariano rumo a Líbia, mas pereceu com parte de seu exército numa tempestade de areia. Após ele alguns oportunistas assumiram brevemente o trono persa até que Dario I casou-se com uma das filhas de Cambises, oficializando sua disputa ao trono. (BUGAN, 2009). 

Dario I, o Grande (550-486 a.C) governou o Império Aquemênida em seu auge, conseguindo manter os territórios conquistados por Ciro II e Cambises II, além de promover suas próprias conquistas, embora seu grande fracasso militar foi a derrota em Maratona, na Grécia no ano de 490 a.C. Apesar dessa derrota, isso não manchou o bom governo que Dario exerceu, estruturando o império de forma a assegurar sua administração, burocracia, comércio, tributação, economia, redes de estradas, sistema de correios, cunhar moedas, reformas legais etc. (LLYWELYN, 1988). 

Mapa mostrando os territórios conquistados por Ciro II (em verde), Cambises II (em azul) e Dario I (em vermelho). 

"Dario estava convencido de que a ele se reservara a missão de levar a cultura e a civilização persa aos povos dos territórios conquistados. Ele enviou exploradores para percorrer o rio Indo e o Oceano Índico. Abriu portos na costa sul da Pérsia. O canal que mandou construir no Egito, do rio Nilo até Suez, foi uma realização gloriosa, e o rei tinha monumentos erguidos ao longo de sua extensão, ostentando inscrições que exaltavam o poder da Pérsia Aquemênida". (LLYWELYN, 1988, p. 18).

Com a morte de Dario, o trono passou para seu filho Xerxes I, treinado e educado para a missão de ser rei. Em 486 a.C seus exércitos contiveram uma revolta no Egito, a província mais rica do império. Em 482 a.C foi a vez da Babilônia se rebelar, uma das províncias politicamente mais influentes. Assim, após conter duas grandes revoltas, em 480 a.CXerxes decidiu focar seus recursos e atenção num antigo projeto de seu pai: conquistar a Grécia. Assim, em 486 a.C ele seguiu com seu poderoso exército rumo a Lídia, atravessando o Helisponto, passando pelo sul do Balcãs, adentrando as terras gregas, enquanto uma poderosa frota seguia em frente. (LLYWELYN, 1988). 

A campanha de Xerxes na Grécia durou quase um ano, marcada por altos e baixos. A vitória na Batalha das Termópilas (480 a.C) contra os espartanos, feócios, tebanos e tepsianos se tornou lendária, abrindo caminho através do Peloponeso. Todavia, a derrota na batalha naval de Salamina (480 a.C) foi esmagadora, forçando Xerxes a deixar a Grécia, mas no ano seguinte ele enviou seu cunhado Mardônio para continuar a campanha. Sob seu comando Atenas foi invadida e saqueada, porém, os gregos se uniram e confrontaram o exército persa na Batalha de Plateia (479 a.C), que marcou a derrota definitiva. (LLYWELYN, 1988). 

Xerxes I ainda governou por vinte e cinco anos, mas tendo perdido o interesse de tentar conquistar a Grécia novamente. Seu filho Artaxerxes I governou por quarenta anos mantendo a estabilidade do império. Após sua morte uma crise de sucessão iniciou-se marcando a decadência do Império Aquemênida. Os filhos de Artaxerxes foram assassinados ou depostos, havendo três monarcas em dois anos, somente Artaxerxes II conseguiu restabelecer a ordem em 404 a.C. Porém, seu sucessor enfrentou uma série de revoltas, a maior ocorrida no Egito. Em 338 a.C Artaxerxes III foi envenenado numa conspiração, sendo sucedido por seu cunhado Dario III. 

Na mesma época que Dario III ascendeu ao trono persa, na Macedônia, o jovem Alexandre sucedia seu pai Filipe II, após ele ser assassinado. Alexandre, o Grande (356-323 a.C) como ficaria conhecido, decidiu vingar a humilhação que os gregos sofreram com as Guerras Médicas promovidas por Dario I e Xerxes I, além de ambicionar conquistar um império para si. O alvo era o próprio Império Persas. (TOYNBEE, 1960).

Assim, em 334 a.C, Alexandre iniciou suas campanhas para conquistar o império persa, indo a cada ano tomando terras e cidades da porção ocidental, atravessando os atuais territórios da Turquia, Síria e Israel, para chegar ao Egito, onde se demorou mais algum tempo, sendo proclamado libertado do povo egípcio, coroado faraó e até visitado importante oráculo na Líbia, que confirmou sua origem divina. Depois desses acontecimentos, Alexandre confrontou o exército de Dario na decisiva Batalha de Gaugamela (330 a.C), a qual marcou mais uma derrota desastrosa para os persas. Dario III estava presente no conflito e fugiu, sendo semanas depois traído pelo general Bessus, que o matou e se autoproclamou Artaxerxes V(TOYNBEE, 1960).

Artaxerxes V chegou a se proclamar novo rei persa nesse intervalo, mas sem apoio da corte, sua reivindicação foi ignorada e Alexandre, o Grande adentrou triunfante a Babilônia, então capital do império há vários anos. Sua ascensão ao trono persa, colocou a Pérsia sob domínio da Macedônia, iniciando a Era Helenística. 

Dinastia Alexandrina (330-309 a.C)

Por ser um monarca culto e respeitador quando queria, Alexandre manteve a organização político, administrativa, econômica e militar do império persa, já que as reformas aplicadas na época de Dario I, o Grande foram excelentes. Assim, ele conseguiu recuperar o prestígio entre algumas províncias e entre parte da nobreza, pois embora fosse um estrangeiro no poder, havia quem visse aquele rei macedônio mais honrado e digno de ser o imperador persa do que Dario III que não era de origem nobre, tampouco Artaxerxes V, o usurpador regicida. 

Dessa forma, Alexandre tratou de estreitar laços com a nobreza persa, mesmo que contrariando seus generais e sua mãe Olímpia. O rei optou em casar com nobres persas como Estatira II (filha de Dario) e Roxana, a qual se tornou sua primeira esposa, embora ele teve outras esposas também. No entanto, Roxana foi quem lhe deu um herdeiro. No entanto, além de contrariar a nobreza macedônica que esperava o retorno triunfal de seu rei e que ele despoja-se uma macedônia ou grega, Alexandre em sua ambição por desbravar o mundo e expandir seu império seguiu rumo à Índia. Suas campanhas se estenderam por mais seis anos desde sua conquista sobre a Pérsia. (TOYNBEE, 1960).

Alexandre, o Grande faleceu em 323 a.C, na época seu filho Alexandre IV (323-309 a.C) ainda não tinha nascido. Por ser apenas um bebê, os generais de seu pai indagavam quem deveria ser o regente do pequeno príncipe. Houve uma disputa política, mas seguindo o princípio da sucessão do trono macedônico, Arredeu foi escolhido como regente, assumindo como Filipe III da Macedônia. Ele era meio-irmão de Alexandre. Assim, em teoria, Filipe governaria como regente do seu sobrinho até a maioridade dele, todavia, em 317 a.C, ele e a esposa foram mortos a mando de Olímpia, a qual suspeitava que o enteado pretendia matar seu neto para usurpar o trono. (TOYNBEE, 1960).

Além de sua morte, outros generais e comandantes opositores ao príncipe herdeiro foram eliminados. No entanto, o general Cassandro que governava como governador da Grécia, ambicionava o império para si, então tramou o assassinato da rainha-mãe Olímpia e mais tarde mandou prender Roxana e Alexandre IV, ordenando a execução de ambos em 309 a.C. Com a morte da família real, os generais de Alexandre, o Grande usurparam as terras do império e se proclamaram reis. (TOYNBEE, 1960).

Estados existente no final do século IV a.C. O reino da Macedônia e Grécia sob domínio de Cassandro, o Egito sob domínio de Ptolomeu; a Trácia e a Lídia governada por Lisímaco, entretanto, Seleuco abarcou boa parte dos antigos domínios do império persa. Por sua vez, o mapa também mostra o pequeno reino do Epiro em vermelho, e as repúblicas de Roma e Cartago. 

Com o assassinato de Alexandre IV aos 13 ou 14 anos de idade, o império que ele herdou de seu pai, foi dividido pelos generais que o serviram. Neste caso, a Pérsia que havia retomado sua condição de província, passou a ser domínio de Seleuco I, que instituiu uma nova dinastia, inclusive duradoura. 

Império Selêucida (309-63 a.C)

A partir de 305 a.C o general Seleuco começou a consolidar seus domínios como imperador, adotando o nome de Seleuco I Nicator, seguindo costume egípcio e persa de adotar um sobrenome. O monarca negociou com os indianos um acordo de não-agressão, e se dirigiu a acabar com as revoltas em suas terras. Em seu reinado ele manteve aspectos administrativos do governo persa, embora tenha renegado a Pérsia a uma província secundária, mantendo a Babilônia como capital. Além disso, Seleuco valorizava mais a cultura helenística do que persa, diferente de Alexandre, o Grande que deu espaço a outras culturas. (CHRUBASIK, 2016).

O império fundado por ele manteve algumas características adotadas pela dinastia alexandrina, como a adoção da língua, costumes e religião dos gregos, principalmente nas províncias ocidentais. Em parte isso era bem visto pelos monarcas seleucidas que eram de descendência greco-macedônica, porém, também abriu espaço para reivindicações das províncias ocidentais. No entanto, elas não foram as únicas a se rebelarem, nas províncias orientais a Pártia e a Bactria iniciaram revoltas que contestavam o domínio imperial. Nesse quesito se destacou as revoltas. (CHRUBASIK, 2016).

Mapa do Império Selêucida e Estados vizinhos em 281 a.C. 

O imperador Seleuco I e seus sucessores diretos não foram governantes populares, fato esse que em seis décadas o império perdeu vários territórios, entrando em declínio, embora ainda resistiria por mais de duzentos anos, entretanto, a ascensão do partas lhe surrupiou a Pérsia e outras terras. 

Império Parta (247 a.C - 224 d.C)

Os parnas eram uma tribo iraniana que sob liderança de Ársaces I, iniciaram uma revolta na sátrapia (província) da Pártia, em meio a crise do imperador Antíoco II. Ársaces I derrubou num golpe de estado o governador Andrágoras, tomando o controle da sua província e reunido tribos indignadas com o governo seleucida. Os parnas e outras tribos eram de origem persa e não aceitavam serem governados por um governante de origem estrangeira, além da condição que o império vivenciava crises políticas e econômicas. (CHRUBASIK, 2016).

Moeda com a efígie de Ársaces I, o fundador do Império Parta. 

Assim, a revolta iniciada na Pártia em território da antiga província da Pérsia, marcou a ascensão de um "novo império persa". Ársaces  foi coroado imperador parta e governou por trinta anos, conseguindo não apenas libertar a Pártia do domínio seleucida, mas o restante das terras persas e alguns territórios vizinhos. No entanto, a expansão parta ainda demorou décadas para ocorrer, pois parte da Pérsia ainda era governada pelos seleucidas, apenas no século I a.C, quando a queda do Império Selêucida, a Pártia ascendeu em seu lugar, ocupando vários dos territórios restantes deles, fazendo alianças com os egípcios, mas ganhando conflito com os romanos, que já vinham investindo a duzentos anos em campanhas pela Ásia Menor e parte do Oriente Médio. A partir desse contato regular com os partas, os romanos absorveram crenças religiosas do Mitraísmo, que foi difundido no império romano através do culto ao Sol Invictus

Apesar dos conflitos com romanos, armênios, indianos e outros povos, o Império Parta conseguiu resistir a tais guerras e revoltas, durando mais de quatro séculos, difundindo a cultura persa, a religião zoroastriana (que é de origem iraniana), como também manteve o intercâmbio entre diferentes povos asiáticos, alguns até mais distantes como os chineses. 

Império Sassânida (224-651)

Após guerras contra vários povos, especialmente os romanos, e crises políticas, o império Parta entrou em declínio no século III d.C. A região da Armênia e o leste da atual Turquia foi o epicentro de várias guerras entre os partas e os romanos, o que enfraqueceu os domínios partas, assim como, resultou em altos gastos para evitar a perda daquele território, abrindo caminho para os romanos adentrarem rumo a Mesopotâmia. 

Com o enfraquecimento do império após a última guerra contra Roma, ocorrida entre 216 e 217, algumas províncias começaram a se rebelar também, vale ressaltar que tais impérios reuniam vários povos de culturas e etnias distintas que não necessariamente compartilhavam uma ideia de unidade nacional. Assim, retomando a Pérsia, alguns chefes começaram a mobilizar suas tropas para iniciar uma revolta aproveitando a crise política da época, entre eles estava Artaxes I, descendente da nobreza persa, neto de um respeitado sacerdote zoroastriano chamado Sassano. (DARYAEE, 2008).

O pai, irmão e outros parentes de Artaxes já vinham nos últimos quase vinte anos tentando ganhar a independência da Pérsia, finalmente essa ocorreu em 247, quando ele conseguiu instituir seu reinado, apesar que perdeu muitas terras do antigo império, Artaxes I conseguiu assegurar os domínios da Pérsia, parte do Iraque, da Armênia, Afeganistão e Uzbequistão. Assim, surgiu o Império Sassânida, nome dado em referência a dinastia que ele pertencia. 

Fronteiras do Império Sassânida durante o reinado de Artaxes I. 

O filho de Artaxes I, o imperador Sapor I, conseguiu expulsar os romanos da Mesopotâmia (parte do Iraque) e conquistar território na Bactria (parte do Afeganistão). Tais conquistas foram importantes para consolidar as fronteiras ocidentais e orientais, embora a Mesopotâmia e a Armênia ainda seguiram sendo territórios disputados com os romanos pelos dois séculos seguintes, no entanto, o Império Sassânida conseguiu se manter ordenado por quatro séculos, prosperando, difundido até novos costumes e crenças como o Maniqueísmo, religião influenciada pelo Zoroastrismo e o Cristianismo. (DARYAEE, 2008).

As décadas de 450 a 530 marcou uma época dourada no império, permitindo a difusão da cultura, o desenvolvimento econômico, a segurança política e outras melhorias, mas isso foi comprometido quando o imperador Cosroes I quebrou o acordo de não-agressão com Justiniano I, então monarca do Império Bizantino, ao invadir o território da Síria, iniciando uma nova leva de guerras entre persas e bizantinos que durou pelas décadas seguintes. Inclusive em 626 os persas tentaram conquistar Constantinopla, a capital do Império Bizantino, na sua campanha militar mais ousada, mas falharam em tal intento. Após essa derrota crassa, o império estava desmoralizado, os exércitos em frangalhos, dívidas astronômicas e a população revoltada pela destruição das guerras, alto impostos, violência e miséria. (DARYAEE, 2008).

No entanto, o fim do Império Sassânida não veio com os bizantinos como alguns pensavam na época, mas com outra ameaça inesperada, a expansão dos árabes e sua nova religião, o Islão. 

Califado Omíada (661-750)

O Islão é uma das mais influentes religiões monoteístas do mundo, tendo surgido no século VII com o profeta Mohammed (571-632), o qual dedicou sua vida a pregar a palavra de Alá. Após sua morte os califas inspirados continuaram com a missão missionária de espalhar os ensinamentos islâmicos pelo mundo. Assim, os quatro califas inspirados: Abu Becre, Omar, Otman e Ali fizeram isso, mas com a morte de Ali, o qual era sobrinho de Mohammed, iniciou uma disputa pelo poder, levando os muçulmanos se separarem em duas vertentes, os sunitas e os xiitas. Apesar dessa separação os califas da Dinastia Omíada com sede em Damasco na Síria, deram continuação a expansão islâmica, que por esse tempo já havia chegado aos domínios do decadente Império Parta. (MANTRAN, 1973). 

O Islão foi ao longo de mais de cinquenta anos sendo inserido entre os persas através de mercadores, pregadores e soldados, a ponto que já houvesse alguns milhares de convertidos quando o império parta chegou ao fim, sendo seus domínios na Mesopotâmia e Pérsia sendo anexados ao califado. No entanto, somente no século VIII é que a Pérsia, em quase toda sua extensão, foi anexada definitivamente ao império islâmico da Dinastia Omíada. Embora algumas regiões ainda resistissem a anexação e até a conversão a nova fé. Além disso, a Pérsia perdeu seu prestígio político, voltando a ser um território dividido em províncias. (MANTRAN, 1973).

Mapa da extensão máxima do Califado Omíada, destacando algumas de suas principais cidades. Ispaã ficava na Pérsia.

Entretanto, a anexação da Pérsia foi bem aceita por mercadores, pois voltou a dinamizar a Rota da Seda e outras estradas rumo ao Mediterrâneo, Egito e o Império Bizantino, já que os árabes não entraram em guerra diretamente com os bizantinos por algum tempo. Além disso, um novo sistema político, administrativo e monetário foi implementado pelo califa. 

Califado Abássida (750-1258)

O Califado Omíada chegou ao fim em meio a crise de sucessão do califa, intrigas políticas, revoltas de alguns territórios que levaram ao surgimento de emirados, pequenos principados que se rebelaram a autoridade do califa. Soma-se a isso a crescente força de dinastias e generais de vertente xiita que se espalhava pelo que hoje é o Iraque, o que levou ali a surgir o Califado Abássida, o qual trocou a capital do império transferindo-a de Damasco para Bagdá. Apesar dessa mudança política, a Pérsia ainda continuou como província no novo califado. Mas essa subjugação duraria menos tempo. (MIQUEL, 1971).

Embora o califado da Dinastia Abássida tenha perdurado por mais de quinhentos anos, parte de seu território foi perdida totalmente ou esteve comprometida por algumas décadas. Com a instituição da capital do califado em Bagdá a importante família de origem persa chamada Barmecida ganhou notoriedade no novo governo. Membros da família ganharam cargos políticos importantes, incluindo de governadores e o de vizir (primeiro-ministro). 

Assim, enquanto o novo califado se estabiliza frente a revoltas separatistas, os Barmecidas ganhavam influência e riqueza à medida que o califado prosperava e Bagdá se tornava uma cidade cosmopolita. Isso foi bastante importante para entender alguns movimentos separatistas que viriam ocorrer na Pérsia no século IX. 

Pérsia dividida (819-1370)

Ao longo de 551 anos o território da Pérsia foi dividido entre impérios, emirados e sultanatos, alguns desses eram nações vizinhas que invadiram a Pérsia e assimilaram suas terras, outros territórios menores surgiram a partir de revoltas em algumas províncias que proclamaram sua independência. 

1) Império Samânida (819-999): foi o primeiro Estado a se formar em reação ao governo do Califado Abássida. Apesar de sua capital ser em Bagdá, além de adotar costumes persas, incluindo o uso do idioma persa em detrimento do árabe, parte dos clãs tradicionais da Pérsia não aceitavam se submeter ao governo de um califa estrangeiro, com isso houve uma revolta promovida pelos irmãos Nuh, Ahmad, Yahya e Ilyas, os quais romperam com o califado, passando a governar a Pérsia e territórios vizinhos até o Uzbequistão, Cazaquistão, Turcomenistão e Afeganistão. (MIQUEL, 1971).

Máxima extensão do Império Samânida enquanto ainda incluía a Pérsia. 

Todavia, o controle dos samânidas sobre a Pérsia não perdurou por toda época de seu império, mesmo ele tendo durado quase dois séculos. Outros territórios rebeldes se separaram do domínio do califado e fundaram seus pequenos impérios ou reinos, o que levou a guerras entre si. Em meados do século X, os samânidas haviam perdido o controle de grande parte da Pérsia, apesar que ainda controlassem terras na Ásia Central. 

2) Império Safárida (861-1003): esse império surgiu no Sistão, província no sul da pérsia na atual fronteira com o Afeganistão. O novo Estado foi fundado por Iacube ibn Alaite Alçafar, que tornou a cidade de Zaranje (atualmente no Afeganistão) em sua capital. Seguindo uma tendência vista quase trinta anos antes com os irmãos Samânida, Iacube decidiu fundar seu reino também. Dessa forma, os safánidas disputaram o controle da Pérsia com os samânidas durante o século IX. (MIQUEL, 1971).

Todavia, no século X duas potências da região iriam confrontar os dois impérios de origem persa, vindo a retalhar novamente a Pérsia redefinindo suas fronteiras e áreas de controle. Condição essa que algumas cidades ao longo de cem anos, mudaram de controle várias vezes. No caso dos safáridas seu império entrou em declínio no século X, suas terras foram gradativamente reduzindo para o tamanho quase original da província do Sistão. Inclusive ele se tornou um Estado tributário de outros impérios. 

3) Emirado Buída (934-1062): surgiu com a Dinastia Buída, originária da província de Guilão, no norte da Pérsia, na costa do Mar Cáspio. Aproveitando a crise política do Império Safárida, os irmãos Ali, Haçane e Amade reuniram seus exércitos e conquistaram terras. As províncias conquistadas a foram dadas em governo a membros da Dinastia Buída. Eles passaram a reconhecer o papel dos califas, pelo menos no âmbito do poder temporal, mas não se submetiam ao domínio político dos mesmos. Acabaram sendo subjugados pela Dinastia Gasnévida. (MANTRAN, 1973).

Mapa do século X mostrando a Pérsia e territórios vizinhos repartidos entre os domínios do Emirado Baída, o Emirado Ziyarida, o Império Samánida e as terras governadas pelos Salaridas. 

No mapa acima podemos ver com a Pérsia estava dividida entre o Emirado Baída que governava inclusive parte do Iraque. Por outro lado, os samânidas mantinham o controle da porção oriental da Pérsia. Os safáridas havia perdido espaço nesse tempo, sendo reduzidos a um Estado tributário no Sistão. Mais tarde os gasnévidas subjugariam os samânidas e os safáridas. 

4) Império Gasnévida (977-1186): surgiu a partir da ruptura das províncias orientais do Império Safárida, induzidas pelo chefe de origem turca, Sebük Tegin, que instituiu a capital de seu reino em Gazin, atualmente no Afeganistão. Seu reino cresceu e se tornou um império cujas fronteiras iam até a Índia. Por mais de um século os imperados gasnévidas governaram quase metade da Pérsia, inclusive a língua persa e aspectos de sua cultura foram mantidos. (MANTRAN, 1973).

Mapa do Império Gasnávida que substituiu os domínios samânidas e safávidas. Todavia, Xiraz e a porção ocidental da Pérsia ainda ficaram sob domínio Buída. 

5) Império Seljúcida (1037-1194): os seljúcidas foram uma dinastia de origem turco-persa que se infiltrou no Império Gasnévida, que passava por crises políticas. Um triunvirato formado pelos chefes turcomanos Tughill e seu irmão Chaghri, mais seu aliado Musa Yabghu, lançaram as bases do novo império que se formaria e acabaria se estendendo do Afeganistão a Turquia, englobando o próprio Califado Abássida, embora os califas abássidas ainda continuaram a serem eleitos, eles perderam poder político. (MIQUEL, 1971).

Sob a liderança dos irmãos Tughill e Chaghri, o império cresceu rapidamente, engolindo toda a Pérsia e a Mesopotâmia. Porém, após trinta anos de campanhas militares para expandi-lo, ele se estabilizou. O sultão Malik Shah I que reinou por vinte anos, entre 1072 e 1092, viveu numa época de ordem e prosperidade do império. Entretanto, no final do século XI, os domínios seljúcidas na Ásia Menor começaram a serem atacados pela Primeira Cruzada (1097-1099), além do levante de revoltas levando a ruptura daquela região com o restante do império. Enquanto isso, na Pérsia, além da Carmânia ter se rebelado, a província de Corásmia também estava se rebelando já algum tempo, e isso aumentaria. (MIQUEL, 1971).

6) Sultanato Seljúcida da Carmânia (1041-1187): sultanato rebelde fundado na província da Carmânia por Seljuque Bei. Ele e seus sucessores conseguiram expandir os domínios para a província de Macrão e parte do atual território de Omã, do outro lado do Golfo Pérsico. O sultanato surgiu como uma ruptura aos domínios dos gasnévidas, embora se manifestasse como um poder independente dentro do Império Seljúcida. (MIQUEL, 1971).

7) Império Corásmio (1077-1231): o novo império surgido na Pérsia, foi erguido pelo governador Anush Tigin Gharchal, que governava a província de Corasmia, iniciando um golpe de estado em 1077, declarando-se sultão daquele território. Naquele tempo o sultão seljúcida estava preocupado com a porção ocidental do império, negligenciando as demandas da porção oriental, isso levou Gharchal e governantes ou líderes de outras províncias orientais a se rebelarem. (MANTRAN, 1973). 

Gharchal governou por vinte anos, ajudando a estabilizar seu domínio, por sua vez, seu filho Mohammed I deu continuidade a obra do pai, subtraindo dos seljúcidas as terras na Pérsia. As Cruzadas no Ocidente tomaram a atenção dos sultões da época, permitindo que os corasmicidas pudessem ter espaço e tempo para realizar batalhas de conquista sem temer que os grandes exércitos do império os acometessem. 

Máxima extensão do Império Corásmio entre 1190 e 1220. Sua capital foi transferida para o norte, para Urgench, no atual Uzbequistão. 

Na segunda metade do século XI, o Império Corásmio englobou as terras dos seljúcidas e gasvénidas, conseguindo assegurá-las por mais de cem anos. Nessa época surgiu a temida Ordem dos Assassinos (1090-1273), cujas lendas deram fama ainda maior para os atos dessa organização secreta. Inclusive os Assassinos foram contratados para se matar vários alvos nas disputas políticas da época. No entanto, nem eles foram capazes de enfrentar novo e terrível inimigo vindo das estepes centrais, o qual os atacou de forma rápida e brutal. Esses eram os mongóis. 

8) Império Mongol (1219-1256): no ano de 1206, Genghis Khan iniciou a expansão do império mongol pela Ásia. Nos vinte anos seguintes suas conquistas foram avassaladoras e catastróficas. O Império Corásmio foi invadido várias vezes, perdendo terras ou até as mantendo, mas tendo cidades saqueadas e destruídas. Na década de 1220 a Pérsia foi invadida pelas hordas mongóis, sendo saqueada e ocupada, tornando-se uma região tributária do poderoso e vasto império mongol, que continuou a ser expandido pelos filhos e netos de Genghis Khan pelas décadas seguintes. (CONRAD, 1983). 

9) Ilcanato (1256-1353): o ilcanato foi um canato (território governado por um cã) a partir da subida de Hulagu Khan ao poder. Ele foi um importante general mongol, sendo neto de Genghis, irmão de Mangu e Kublai. No caso, Kublai estava interessado em conquistar a China, mas Hulagu e Mangu investiram através do Oriente Médio, ambicionando invadir a África e conquistar o Egito, mas foram detidos na região da Palestina. Mangu faleceu e Hulagu desistiu daquela campanha, optando em consolidar as terras conquistadas, vindo a fundar o Ilcanato. (CONRAD, 1983). 

Na época que Hulagu Khan se tornou governante do Ilcanato, fazia um pouco mais de vinte anos que o Império Corásmio havia sido invadido e subjugado por seu avô, pai e tios. Os herdeiros de Hulagu governaram a pérsia pelos próximos oitenta anos quando no século XIV o controle da região entrou em crise, levando ao surgimento de três sultanatos na Pérsia, promovidos por famílias insurgentes. 

10) Sultanato Muzafárida (1314-1393): foi o primeiro sultanato rebelde a surgir durante a crise do Ilcanato. Foi fundado pela Dinastia Muzafárida, contrária a dominação turco-mongol, governando quase metade do atual território do Irã, resistiu por várias décadas, inclusive negociando com Tamerlão para não ser conquistado, embora mais tarde ele realizou a conquista. 

11) Sultanato Jalaírida (1335-1472): foi fundado por Haçane Buzurgue em meio a crise do Ilcanato. Seus domínios englobavam o oeste da Pérsia e o leste do Iraque, condição essa que sua capital se encontrava em Bagdá. Acabou perdendo terras para Tamerlão. 

12) Sultanato Injuída (1335-1357): um pequeno sultanato surgido da crise do Sultanato Muzafárida, fundado pela Família Inju, que se apossou das importantes cidades de Isfaã e Xiraz. Porém, diferente dos outros sultanatos rebeldes, sua existência foi curta. 

Mapa mostrando os sultanatos Jalaírda, Muzafárida e Injuída. O reino Chupânida englobava parte da Armênia e do Arzebaijão, não pegado a Pérsia propriamente. O restante do território apresentado pertencia a Ilcanato. 

Império Timúrida (1370-1507)

De origem turco-mongol, Tamerlão (1336-1405) nasceu no Canato de Chagatai e se considerava um descendente de Genghis Khan, embora sua linhagem em nada descendesse do famoso imperador mongol. Ainda assim, Tamerlão legou para si o dever de se tornar o novo conquistador da Ásia. 

Ele tratou de conquistar a Transoxiana, região que englobava os atuais territórios do Uzbequistão, Turcomenistão, Tajiquistão, sul do Cazaquistão e norte do Afeganistão. Após tal conquista, ele se interessou pela Pérsia, controlada na época pelos muzafáridas e jalairidas. Suas campanhas tiveram início em 1383, se estendendo por uma década, levando a grandes massacres por algumas cidades persas, em destaque a Isfaã, cidade saqueada e destruída em 1387. Dessa forma, os sultanatos de Jalaírda e Muzafárida perderam o controle da Pérsia. (CONRAD, 1978). 

Máxima extensão do Império Timúrida na época de Tamerlão. 

Assim, os territórios persas voltaram a serem vassalos de um líder estrangeiro, cujos temidos exércitos prosseguiram pelo Iraque, rumo a Geórgia e a Turquia. Depois disso, Tamerlão tentou conquistar a Índia, mas não obtive sucesso esperado, embora tomou algumas terras no noroeste. Por sua vez, ele morreu em viagem, quando tentava invadir a China. Apesar da sua morte, seu império não se fragmentou de imediato, durando por mais de cem anos ainda. Embora que ele começou a enfraquecer a partir da segunda metade do século XV. (CONRAD, 1978). 

Império Safávida (1501-1736)

Com o enfraquecimento das defesas timúridas, especialmente nas províncias ocidentais, as regiões da Armênia, Azerbaijão, Iraque e Pérsia começaram a se rebelar, sendo as primeiras as mais significativas a romperem com o controle timúrida. Condição essa que isso abriu espaço para a ascensão da Dinastia Safávida. 

Os safávidas não se originaram da nobreza ou de clãs tradicionais, mas surgiram de uma ordem religiosa do Sufismo chamada Safawiyya, fundada por Safiadim de Ardabil (1252-1334), originando-se ao sul de antigas terras do Azerbaijão. Os safávidas ganharam grande influência religiosa e mais tarde política no noroeste da Pérsia, no entanto, duzentos anos depois, apesar da origem sufista (um ramo do Islão) eles gradativamente migraram para o xiismo, tornando-se a primeira dinastia persa predominantemente xiista, já que as anteriores era de vertente sunita. (MELVILLE, 2021). 

Os safávidas formavam uma miscigenação de povos, incluindo persas, turcos, curdos, árabes, georgianos e outras etnias menores, apesar que falavam a língua persa e turca, eram muçulmanos xiitas na maioria. A criação do império teve início com Ismail I (1487-1524) que se tornou chefe militar no noroeste da Pérsia, iniciando a libertação daquelas terras do julgo timúrida. Dessa forma ele foi proclamado xá da Pérsia, sendo gradativamente reconhecido como seu novo governante. (MELVILLE, 2021). 

Ismail I governou por vinte e três anos lançado as fundações do novo império persa, agora na Idade Moderna. Seu império recuperou quase toda a Pérsia ocupada pelos timúridas, ainda englobou o Iraque, parte dos Afeganistão e do Paquistão. O novo império conseguiu resistir por mais de duzentos anos, embora sua expansão não foi maior por conta de ele ser barrado no oeste pelo poderoso Império Otomano e no leste pelo Canato de Bucara e alguns reinos indianos. O conflito entre esses dois reinos durou por mais de um século. 

O Império Safávida em sua máxima extensão. As listras apresentam territórios perdidos para os otomanos e uzbeques. 

Apesar das constantes batalhas e perda de alguns territórios, o Império Safávida resistiu a invasões, derrotas, revoltas e crises, além de recuperar a economia da Pérsia, outorgar novas leis, reformular a administração, revitalizar o direito islâmico e a cultura turco-persa. Além disso, os safávidas ampliaram o comércio com a Índia, Omã e as cidades árabes na costa oriental africana. Eles também entraram em conflito com os portugueses na disputa de alguns portos no Golfo Pérsico, especialmente no século XVI. Ormuz foi a principal cidade disputada por ambos os povos naquela região. (MELVILLE, 2021). 

No século XVIII o império entrou em declínio cada vez mais acentuado. Territórios perdidos para os otomanos não foram recuperados, a ascensão do Afeganistão em expulsar os governantes persas de seus domínios foi contínua, os curdos e turcos se rebelaram. Terras no norte do atual Azerbaijão foram perdidas para os russos. Rotas comerciais mudaram de direção, o Golfo Pérsico perdeu sua influência. Negócios com a Índia ou foram barrados pela Dinastia Mogol, ou pelos portugueses em algumas localidades, especialmente Goa e cercanias. 

Império Aferáxida (1736-1796)

A Dinastia Aferáxida foi fundada pelo general Nader Xá (1688-1747), que aproveitou a vulnerabilidade do último xá safávida para realizar um golpe de estado. Nessa época, os afegãos tinham invadido a Pérsia e subtraído parte de seu território, Nader tratou de expulsá-los e recuperar as terras perdidas. Embora tenha nascido na Pérsia, Nader Xá e sua família pertencia a etnia afexares, originária da região de Coração, sendo de origem turcomana. (KIRK, 1967).

A tentativa de fundar uma dinastia longeva não deu certo para Nader Xá, apesar de suas vitórias em alguns conflitos contra os afegãos, do outro lado da Pérsia, os otomanos seguiam conquistando mais terras através do Iraque e chegando ao território persa anterior. Sendo assim, após vencer os afegãos, ele viajou com seus exércitos para as fronteiras ocidentais a fim de expulsar os otomanos, iniciando campanhas de 1738 a 1741, quando seu império atingiu a máxima extensão. 

O Império Aferáxida em sua máxima extensão no ano de 1741. Em verde claro alguns territórios vassalos, mas não conquistados plenamente.  

Embora Nader Xá tenha se empenhado em consolidar seu império, no entanto, após a sua morte em 1747 uma crise de sucessão se instaurou, pois seu sobrinho Ali Xá mandou matar os filhos e netos do tio, abrindo caminho de forma sangrenta para o trono. Isso levou a uma insurreição de parte da corte que era contra o despotismo de Ali, gerando uma crise política no império. Além disso, contra-ataques dos otomanos, russos e afegãos acometiam as fronteiras. 

Império Zande (1750-1794)

Foi na prática um pequeno reino de origem curda fundado por Carim Cã (c. 1704-1779) num movimento separatista em meio a crise de sucessão iniciada com as mortes ordenadas por Ali Xá contra sua família. Os domínios da Dinastia Zande englobavam a Armênia, o Azerbaijão, indo até o sul da Pérsia na fronteira com o Paquistão. Em vinte nove anos, uma parte significativa do território persa foi subtraído dos aferáxidas, mas o controle dessas terras foi rapidamente perdido após a morte de Carim Cã. Embora seu filho ainda seguiu reinando até 1794, o domínio zande foi reduzido a região curda e terras vizinhas. (KIRK, 1967).

Máxima extensão do Império Zande. 

Na década de 1780 a crise nos dois impérios persas era cada vez mais acentuada. Revoltas eclodiam regularmente, o poder imperial dos dois xás se digladiava para ver que conseguia reunificar a Pérsia. Alguns governadores se tornaram desobedientes ao governo real, além de que territórios seguiram sendo perdidos para os otomanos e afegãos. Em meio a essa crise política uma nova dinastia ascenderia na disputa da Pérsia. 

Império Cajar (1796-1925)

Na década de 1780 Aga Maomé Cã Cajar (1742-1797) iniciou a campanha de reunificação da Pérsia. Após alguns anos de batalhas, em 1789 ele foi eleito xá, porém, isso não foi reconhecido já que os impérios Aferáxida e Zande ainda vigoravam com seus últimos governantes. Na prática, a Pérsia possuía três reis naquele momento, em que cada um reivindicava ser o legítimo governante. Dessa forma, Cã Cajar seguiu com suas campanhas militares para impor sua autoridade e minar seus opositores até finalmente ser reconhecido como único rei em 1796. Porém, seu reinado oficial foi curto, ele acabou sendo assassinado no ano seguinte. (KEDDIE, 1999).

Durante seu breve governo, Cã Cajar mudou a capital da Pérsia que mudava de cidades no último século, escolhendo Teerã como novo local. De fato, sua decisão foi certeira, pois é a capital oficial do país até hoje. Com seu falecimento, seu sobrinho Fate Ali Xá Cajar (1772-1834) assumiu o poder e governou por mais de vinte anos, conseguindo estabilizar a nova dinastia. (KEDDIE, 1999). 

O Império Cajar no século XIX. 

Embora Ali Xá Cajar tenha conseguido se manter no poder por mais de duas décadas, ainda assim, ele perdeu territórios. Os russos conseguiram conquistar as terras na Geórgia e Azerbaijão ocupadas pelos persas ainda no governo de Ali. Posteriormente na década de 1830 o soberano Maomé Xá Cajar ordenou a invasão do território afegão para recuperar territórios, mas os ataques não surtiram o efeito desejado e acabou atraindo a atenção dos ingleses, que por aquele tempo já estavam operantes na Índia e no Paquistão. Fato esse que a Inglaterra se apossou da região do Baluchistão, anteriormente sob domínio persa. 

Em 1848 subiu ao poder Naceradim Xá Cajar (1831-1894), o qual governou por cinquenta anos, conseguindo estabilizar o império, mesmo que tenha significado perder terras para isso. Foi durante seu longo reinado que a Pérsia começou a se ocidentalizar em vários aspectos, principalmente devido ao contato com os ingleses e franceses. Em seu governo houve reformas políticas, econômicas, administrativas, legais, educacionais etc. (KEDDIE, 1999). 

Universidades e escolas seguindo o padrão europeu britânico foram instituídas no país. A promoção de intercâmbio para os melhores alunos. Adoção de trajes europeus como terno, gravata, sapatos e cartolas. As mulheres inclusive podiam usar vestidos da moda europeia, especialmente a francesa que estava em alta. Automóveis foram levados ao país, ferrovias, navios a vapor e algumas fábricas foram construídos. O telégrafo, a telefonia e a fotografia foram algumas tecnologias adotadas. Naceradim Xá Cajar adotou a postura de um monarca pacifista e conciliador, preferindo modernizar seu país ao invés de retomar os tempos de guerra de seus antepassados, incluindo de seu avô e bisavô. 

Após sua morte uma crise política caiu sobre o país. Seu filho Mozafaradim Xá Cajar foi um governante incompetente e a contragosto aprovou a Constituição Persa de 1906, numa tentativa de melhorar sua popularidade. Porém, seu filho Maomé Ali Xá Cajar suspendeu a constituição em 1908, pois essa limitava os poderes do monarca. Além disso, ele mandou fechar o parlamento e até ordenou um ataque ao mesmo. Isso levou a uma cisão política e as autoridades considerando o ato do xá como golpe de estado, decretaram ele inimigo público. Maomé Ali fugiu para a Rússia, permanecendo em exílio até 1913, quando tentou invadir o país para recuperar o trono, mas seu exército falhou nisso. Passou o resto da vida em exílio, mas vivendo relativamente bem. (KEDDIE, 1999). 

Após 1909 a 1918 a Pérsia viveu constantemente instabilidade política devido a troca de monarcas que eram depostos e exilados, embora absteve-se em aderir a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), isso não impediu do país sofrer com a guerra. Durante o conflito, os russos, ingleses e turcos invadiram o território persa, somente retirando-se após o término da guerra, tendo deixado um rastro de milhares de mortos e cidades destruídas. 

Mapa da Pérsia em 1921. 

Após a Grande Guerra o país estava politicamente e economicamente fragilizado. Territórios perdidos não foram desenvolvidos. Indenizações não foram pagas ou estavam sendo pagas. O monarca oficial que era Amade Cajar tinha somente vinte anos na época, incompetente e sem experiência política. Condição essa que o general Reza Xá deu um golpe de estado em 1921, sendo eleito oficialmente xá em 1925, iniciando a Dinastia PahlaviNos dez primeiros anos de reinado oficial de Reza Xá, a Pérsia ainda era chamada por esse nome, todavia o monarca decidiu mudar o nome do país para Irã a partir de 1935, mantendo-o até hoje. (KEDDIE, 1999). 

NOTA: O termo Grande Pérsia, Grã Irã ou Grão Irão é utilizado para se referir aos territórios culturalmente associados com a Pérsia ao longo da História, o que engloba regiões do Iraque, Afeganistão, oeste do Paquistão, Turcomenistão, Uzbequistão, norte de Omã, norte dos Emirados Árabes, sul do Azerbaijão e sul da Armênia. 

NOTA 2: O nome Irã existe desde a Antiguidade sendo utilizado para se referir a algumas etnias locais de origem ariana. Os persas antigos faziam uso desse nome, todavia, Pérsia se popularizou mundialmente graças ao Ocidente

NOTA 3: A Dinastia Pahlavi governou de 1925 a 1979, quando foi derrubada pela Revolução Islâmica que instituiu a república no Irã. 

NOTA 4: Os jogos da franquia Prince of Persia não se passam numa época específica, inclusive ocorrem numa Pérsia lendária. 

Referências bibliográficas

BURGAN, Michael. Empires of Ancient Persia. New York, Chelsea House, 2009. 

CHRUBASIK, Boris. Kings and Usurpers in the Seleukid Empire: The Men who would be King. London, Oxford University Press, 2016. 

CONRAD, Phillipe. As civilizações das estepes. Rio de Janeiro, Editions Ferni, 1978. 

DANDO-COLLINS, Stephen. Cyrus the Great: conqueror, liberator, anointed one. Nashville, Turner Publishing Company, 2020. 

DARYAEE, TourajSasanian Persia: The Rise and Fall of an Empire. London, I.B.Tauris, 2008. 

KEDDIE, Nikki R. Qajar Iran and the rise of Reza Khan, 1796–1925. Mazda Publishers, 1999. 

KIRK, George E. História do Médio Oriente: Desde a Ascensão do Islã até a Época contemporânea. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1967. 

LLWELYN, Morgan. Xerxes. São Paulo, Nova Cultural, 1988. 

MANTRAN, Robert. La expansión musulmana (siglos VII al XI). Barcelona, Editorial Labor, S. A, 1973. 

MELVILLE, Charles (ed.)Safavid Persia in the Age of Empires. The Idea of Iran, Vol. 10. London: I.B. Tauris, 2021. 

MIQUEL, André. O Islame e a sua civilização: séculos VII-XX. Tradução de Francisco Nunes Guerreiro. Lisboa/Rio de Janeiro, Edições Cosmos, 1971. 

TOYNBEE, Arnold J. Helenismo: História de uma Civilização. Rio de Janeiro, Zahar, 1960.

WATERS, Matt. The Life of Cyrus the Great: King of the World. Oxford, Oxford University Press, 2022. 

Links relacionados

Ciro, o Grande: o Príncipe da Pérsia

Xerxes: o rei dos reis

A Era de Alexandre

A expansão islâmica (VII-XII)

Uma história sobre a Ordem dos Assassinos (1090-1273)

Os mongóis

Tamerlão: o "homem de ferro"

Ásia: Berço de Religiões: as religiões iranianas

terça-feira, 12 de março de 2024

Charles Boycott e a origem do boicote

Alguns nomes entraram para a História de forma negativa, sendo lembrados como tiranos, ditadores, criminosos, pessoas cruéis no geral. Mas há casos em que nomes acabam originando termos, como aconteceu com o militar britânico Charles Boycott, cujo nome originou a palavra boicote, uma forma de protesto. 

Charles Cunningham Boycott (1832-1897) era filho do reverendo William Boycott e Georgiana, tendo nascido em Norfolk, cidade onde seus antepassados habitavam desde o século XVII. Boycott foi enviado para estudar em Londres e não se interessou pela carreira religiosa do pai, mas demonstrou interesse na carreira militar, adentrando em 1848 na Royal Military Academy de Woolwich, graduando-se como oficial em 1850. Ele foi admitido no 39o Regimento de Infantaria

Retrato de Charles Boycott

Ele serviu regularmente no Exército pelos vinte e três anos seguintes, quando em 1872 recebeu um convite do governo para trabalhar nas terras de Lorde de Earne, John Critchton (1802-1885). O lorde possuía muitas terras na Irlanda e atuava como político na Inglaterra, não indo visitar suas propriedades no outro país. A contratação de Boycott ocorreu pela condição que o governo britânico começava a recrutar militares de carreira mal sucedida ou enfadados com seus postos. Na época ele contava com 40 anos, e era capitão. Então Boycott deixou o exército para aceitar o cargo, já que sua carreira militar estava estagnada. 

Boycott se mudou para Lough Mask no oeste da Irlanda, onde ficavam as terras de Lorde Earne. Ali Boycott recebeu um casarão e uma fazenda, onde além de atuar como agente de terras para o lorde e o governo, passou a ser fazendeiro também. Boycott viveu em Lough Mask pelos oito anos seguintes trabalhando de forma diligente, mas desenvolvendo inimizade com a maioria dos camponeses pela condição de ser rude e autoritário. 

Localização da região de Lough Maskn na Irlanda, onde Boycott viveu por 8 anos. 

Os atrasos dos aluguéis e outros tributos pelos quais Lorde Earne se queixava, devia-se a miséria do campesinato, porém, para o nobre e o ex-capitão, isso era tido como má vontade dos moradores, por conta disso, em distintas ocasiões Boycott mandou despejar quem atrasava o aluguel, além de mandar aplicar multas por motivos diversos e até prender supostos vadios e desordeiros. Isso acabou desenvolvendo uma má percepção dos moradores para ele, o que piorava com o fato do seu autoritarismo e de ser em inglês, numa época em que os irlandeses não gostavam de serem governados e mandados pelos ingleses, embora que vários fazendeiros ricos na Irlanda fossem de origem inglesa. 

A situação para Charles Boycott se agravou apenas em 1880, oito anos depois de ele ter chegado a Irlanda. Naquele ano Michael Davitt (1846-1906), ativista político e membro do movimento republicano irlandês, um dos fundadores da Liga Nacional da Terra (1879), defendia ideais republicanas, nacionalistas e de reforma agrária. Davitt sabendo dos desmandos cometidos por um aristocrata inglês de nome Boycott, decidiu combatê-lo. 

Retrato de Michael Davitt, o qual fez campanha contra Boycott. 

Davitt ná tinha sido preso em 1870 por contrabando de armas, pois planejava uma revolução na Irlanda para conseguir a independência do país e o estabelecimento de uma república. Condição essa que ele sabia agir de forma enérgica quando necessário. Porém, para evitar brigas, sua estratégia foi diferente: ela consistiu em minar o autoritarismo de Boycott usando-se da indiferença e falta de apoio ao mesmo.

Davitt ao lado de seu amigo o político Charles Stewart Parnell (1846-1891) numa verdadeira ação de luta de classes, mobilizaram os camponeses das terras de Lorde Earne e de outras propriedades vizinhas, fazendo-os desenvolver consciência de classe e reivindicar seus direitos. Entre as reivindicações estava pedir aluguéis mais dignos e não abusivos como eram feitos, garantia de emprego sem demissões arbitrárias, direito de livre comércio, pois até então o comércio dos camponeses era até controlado por Boycott, mesmo que fosse a produção própria deles. 

Evidentemente que Lorde Earne detestou aquilo e mandou Boycott agir para acabar com aqueles protestos. Uma medida inicial foi dar desconto de 10% nos aluguéis, mas parte dos camponeses não concordou com aquilo e iniciaram uma greve, atrasando a colheita. Boycott exigiu que voltassem a trabalhar ou seriam demitido, todavia, alguns dos grevistas decidiram pedir demissão, já que o trabalho era pesado e o salário baixo. Isso começou a desandar em agosto. 

Além da greve e da demissão de alguns dos trabalhadores, os grevistas adotaram outras medidas para diminuir o autoritarismo de Boycott: ele não seria cumprimentado na rua e nos lugares públicos, os comerciantes parariam de vender produtos para ele, nas missas ninguém se sentaria ao lado dele, funcionários deles deveriam fazer greve também. Alguns até começaram a fazer isso, mas outros como capatazes, empregadas, lavandeiras, cocheiros, cavalariços, simplesmente começaram a ir embora. Carteiros pararam de entregar correspondência dele. 

Boycott sem poder comprar comida e outros produtos na propriedade, teve que mandar trazer de outras fazendas, pois ninguém queria vender para ele. Além disso, parte dos capatazes há se oposto a ele, o que significava que ele perdeu seus "soldados". A situação piorou nos meses de setembro e outubro. Charles Boycott escreveu uma carta ao governo britânico pedindo ajuda, pois estavam refém dos camponeses revoltados. Eles faziam manifestações em sua propriedade, além de terem ameaçado seus funcionários, forçando-os a se demitir. A carta de Boycott ganhou a atenção do jornalista Bernard Becker do Daily News, que foi visitá-lo e iniciou uma campanha de arrecadação de fundos e mão de obra para ajudar o "pobre Boycott" que estava sem empregados e sua colheita ameaçava se perder. 

A ajuda chegou em em fins de novembro, quando em 27 de novembro de 1880, Boycott e sua família foram escoltados por um batalhão de hussardos até a estação de trem mais próxima, de onde seguiram para Dublin. De lá, no dia 1 de dezembro tomaram um navio de volta a Inglaterra.

Outras manifestações se espalharam pelo país ao longo de dezembro e janeiro. Davitt, Parnell e outros envolvidos chegaram a serem presos, acusados de revolta, não pagamento de aluguéis, desordem social etc. Davitt seguiu preso mais tempo do que Parnell, que voltou a lutar pelos direitos dos irlandeses. Em 1881 foram aprovadas a leite de coerção para punir aqueles que faziam revoltas, greves e se negavam a pagar os aluguéis, assim como, foi aprovada uma lei de terras para regulamentar o pagamento dos aluguéis e tributos. 

O nome Boycott passou a ser usado ainda naquele período como "boycott" ou boicote para designar uma forma de protesto sem violência. Charles Boycott arranjou outros empregos e seguiu com sua vida na Inglaterra, eventualmente viajando para a Irlanda para passar férias, mas se retornar a Lough Mask. Ele faleceu em 1897 aos 65 anos, já doente. 

NOTA: Boycott chegou a publicar uma autobiografia. Assim é possível conhecer seu ponto de vista acerca do boicote que ele sofreu em 1880 na Irlanda. 

Referências bibliográficas: 

COLLINS, M. E. History in the Making - Ireland 1868-1966. Dublin, The Educational Company of Ireland, 1993. 

MARLOW, Joyce. Captain Boycott and the Irish. [s.l], André Deutsch, 1973. 

domingo, 10 de março de 2024

O dinheiro em diferentes épocas

Ao longo da História diferentes formas de dinheiro foram desenvolvidas, algumas bastante antigas ainda perduram hoje em dia, mesmo tendo surgido há milhares de anos. Dessa forma, o presente texto apresenta algumas dessas formas pelas quais o dinheiro se manifesta. 

Conceito de dinheiro

O dinheiro refere-se a meios que representam valores reais através de suportes físicos (materiais) ou virtuais (imateriais). Esses meios podem ser moedas, cédulas, cartão de crédito, cheque, conta bancária, nota promissória, bilhete premiado, vales etc. O dinheiro também pode estar manifestado através de mercadorias, produtos, animais, plantas, imóveis etc. O dinheiro também é referido como ativo financeiro, que consiste em qualquer coisa que represente um valor econômico positivo aceito para se efetuar atividades econômicas diversas. 

Dessa forma, o dinheiro consiste em meios pelos quais é possível adquirir produtos, mercadorias, imóveis, móveis etc; além de adquirir serviços diversos. O dinheiro é usado para se pagar salários, impostos, tributos, taxas, licenças, autorizações etc. 

O dinheiro também representa a capacidade de poder aquisitivo de uma pessoa na sociedade, o que expressa os parâmetros de riqueza e pobreza. Atualmente em muitas sociedades esses parâmetros estão divididos em classes sociais, indo desde os miseráveis que passam fome regularmente, não possuem habitações adequadas, estão desempregados e padecem de outros problemas; até as classes altíssimas, formadas por bilionários. 

Atualmente no século XXI o dinheiro movimenta o mundo. Viver sem dinheiro é quase impossível, embora existam comunidades que não fazem uso de dinheiro, vivendo da produção de subsistência e do escambo. Mas esses casos são exceções. Para viver e sobreviver é preciso ter algum dinheiro, pois as sociedades atuais, sejam elas capitalistas, socialistas, rurais ou industriais, necessitam de alguma forma de dinheiro. 

O escambo

A prática do escambo antecede a criação do dinheiro propriamente falando. Ela surgiu ainda na Pré-história, tratando-se da realização do comércio ou de alguma forma de compra ou venda baseada na troca de mercadorias. Inclusive o pagamento de tributos e impostos também era feito com base nessa prática. No entanto, engana-se aquele que acredita que o escambo foi abolido quando as moedas surgiram. Ainda hoje alguns povos nas Américas, África e Oceania fazem uso do escambo em suas negociações.

Por conta do escambo ser a troca de mercadorias, basicamente há uma diversidade de produtos e objetos que eram usados para escambo: animais, plantas, minérios, tecidos, joias, ferramentas, armas, matéria-prima etc. No caso do pagamento de tributos, era bastante comum esses serem pagos com uma parcela da produção agrícola e pecuária. Incluía-se também tal pagamento com minérios, madeira e outras matérias-primas. (MARCHANT, 1990). 

Essa condição foi mantida mesmo depois da criação das moedas. Fato esse que no Brasil colonial os senhores de engenho pagavam seus tributos à Coroa e a Igreja, em açúcar; mais tarde no século XVIII, o ouro descoberto em Minas Gerais era confiscado pela Coroa, mas os donos de minas privadas também pagava o imposto em ouro. (MARCHANT, 1990). 

O escambo ainda existe informalmente, sobretudo na forma de troca de favores entre amigos, familiares e conhecidos. Além disso, existem feiras, sebos, mercados de pulgas e sites especializados em escambo, onde as pessoas oferecem suas mercadorias em troca de outras. Mesmo passados milhares de anos, a prática do escambo não sumiu completamente, apenas se restringiu a alguns aspectos bem específicos. 

A moeda

A primeira forma de dinheiro falando propriamente surgiu com as moedas. Elas foram o primeiro invento que concedeu uma materialidade a noção de dinheiro. Antes disso o comércio, os impostos, os pagamentos, eram feitos com escambo. 

Algumas das moedas mais antigas encontradas datam da China por volta de 1100 a.C, sendo lingotes de bronze, embora alguns historiadores questionam se esse objeto poderia ser tratado como uma moeda. Após isso, só temos notícia de moedas datadas do século VII a.C, na Lídia (atualmente parte do território turco). Essas primeiras moedas eram feitas de prata, sendo pequenas, cabendo na palma da mão, sendo mais ou menos redondas e já possuíam imagens em ambos os lados. Assim, pode-se considerar esses como sendo os primeiros exemplares de moedas como conhecemos. (DAVIES, 2002). 

Moeda de prata do rei Aliate I da Lídia, datada de entre 635 a.C e 585 a.C. 

As primeiras moedas eram feitas de prata, mais tarde surgiram moedas de ouro. Mas em geral ao longo da história até a Idade Moderna era comum que as moedas fossem cunhadas com uma porcentagem de um desses dois metais nobres, pois o valor monetário era material, ou seja, o valor da moeda estava na quantidade de prata ou ouro que ela possuía. Entretanto, além de ouro e prata, moedas de cobre, estanho, bronze e de outras combinações de metais também foram produzidas. (DAVIES, 2002). 

Além dos lídios, outros povos da Ásia, Europa e África começaram a produzir suas moedas nos séculos seguintes como os persas, egípcios, micênicos, gregos, romanos, indianos, chineses. As técnicas de cunhagem já estavam bem avançadas no século V a.C, período em que havia moedas com riqueza de detalhes, apresentando imagens bem elaboradas. 

O uso de moedas foi o principal suporte do dinheiro por milênios, fato esse que ainda hoje moedas são utilizadas na maior parte do mundo, embora elas não sejam mais feitas de ouro ou prata, mas geralmente de cobre, latão, estanho, e seu valor monetário é representado por números cunhados no lado chamado de coroa. 

A nota promissória e o papel-moeda

As promissórias surgiram na China por volta do século VII d.C, durante a Dinastia Tang (618-907), as quais não diferiam das notas promissórias atuais. Basicamente trata-se de um título de câmbio onde uma pessoa se comprometia em pagar um valor em determinado prazo. No entanto, a partir desse título impresso séculos depois surgiu na Dinastia Song (960-1279) o jiaozi, considerado o primeiro papel-moeda. (DAVIES, 2002). 

O jiaozi era baseado nas notas promissórias, mas a diferença é que ele já apresentava valores fixos. Esse dinheiro de papel era normalmente usado por mercadores e o governo, para se pagar valores altos, pois o restante das atividades econômicas se fazia com o uso das moedas. 

Uma nota jianzi, datada do século XII. 

Quando Marco Polo viveu na China no século XIII, ele relatou em seu livro ter visto o uso de papel-moeda, algo inexistente em outras partes do mundo, inclusive quando os italianos leram a respeito, acharam que Polo estivesse mentindo, pois a concepção daquele tempo era que o dinheiro deveria mostrar seu valor no próprio suporte como moedas de prata e ouro, diferente de uma nota feita de papel de arroz. 

Por volta do século XIV, algumas cidades italianas e belgas começaram a fazer uso de notas promissórias, especialmente entre acordos comerciais de valor mais elevado. Os bancos europeus começariam a surgir no século XV, permitindo a ampliação do uso de notas promissórias. Entretanto, o uso de cédulas de dinheiro ainda tardaria a ocorrer na Europa. Os ingleses, suecos e holandeses fizeram testes com notas de dinheiro no século XVII, mas foi o Banco da Inglaterra a partir de 1695 que se tornou o primeiro banco europeu e ocidental a emitir regularmente cédulas. Inicialmente no valor de 20 libras. Algumas das cédulas chegavam até o valor de 1000 libras. (DAVIES, 2002). 

No século XVIII o uso de papel-moeda ainda era escasso na maior parte do mundo, poucos países faziam uso dele. Inclusive os Estados Unidos foi um dos primeiros novos países do mundo a adotar o uso também do dinheiro de papel, chamado de dólar. 

Uma nota de 55 dólares datada de 1779.

A partir de 1792 foi criada a Casa da Moeda dos Estados Unidos, que legalizou o uso do dólar como única moeda oficial do país, passando a ser cunhado em moedas e impresso em cédulas. Todavia, foi somente no século XIX com melhorias na industrialização que os países começaram a adotar o uso regular do papel-moeda. 

O cheque

O uso de cheque surgiu na Europa medieval por volta do século XIV, com a expansão comercial do final do medievo. Nessa época já se fazia uso de notas promissórias, mas elas não eram garantias que o cliente iria pagar, assim, uma alternativa surgida foi o cheque, um título de crédito a ser descontado de uma conta corrente. Apesar de não existir banco naquela época, existiam depósitos de moedas ou casas do tesouro. Ali os ricos guardavam sua riqueza, e funcionários trabalhavam administrando o dinheiro e descontando os cheques emitidos. (DAVIES, 2002). 

Mais tarde no século XVII, com a expansão dos bancos pela Europa, o uso de cheques foi melhorado e ampliado graças ao a criação de uma rede bancária em vários países, além de casas de câmbio também. Isso passou a facilitar o uso de cheques, que eram utilizados normalmente para o pagamento de somas elevadas, pois valores mais baixos usavam-se moedas. (DAVIES, 2002). 

Um cheque de 1793 emitido pela empresa Barclays and Co, no valor de 39 pounds, 4 shillings e 2 pences para Messrs Barclay and Tritton. 

Com a difusão dos sistema bancário no século XIX a nível mundial, o uso de cheques se difundiu também, alcançando seu auge no século XX. Embora que atualmente o uso de cheques decaiu bastante em vários países devido as alternativas de pagamento mais rápido e fáceis como cartões de crédito, débito em conta e pagamentos virtuais. 

O cartão de crédito e débito

Os primeiros cartões de crédito começaram a serem emitidos nos Estados Unidos em 1934, por companhias aéreas, graças a uma iniciativa da American Airlines e da Air Transport Association. Os clientes que costumavam fazer voos regulares recebiam cartões que continham seus nomes e outros dados, os quais eram usados para se comprar as passagens aéreas e até concediam descontos também. Na década seguinte outras companhias aéreas adotaram os chamados air travel card (cartão de viagem aérea), os quais se tornaram os precursores do cartão de crédito. (MANDELL, 1990). 

Na década de 1950 os empresários Frank McNamara e Ralph Schneider, donos da rede de restaurantes Dinners Club, tiveram a ideia de implementar cartões de crédito para serem usados em seus restaurantes e clubes. A ideia se mostrou bastante promissora que em 1958 o banco American Express passou a emitir cartões de crédito para seus clientes, os quais eram aceitos em vários estabelecimentos americanos. Neste mesmo ano o Bank of America também criou um cartão de crédito e a famosa bandeira Visa. (MANDELL, 1990). 

Cartão de crédito da primeira-dama Eleonor Roosevelt, do Diners Club, com validade até maio de 1962. 


Na década de 1960 surgiu a bandeira MasterCard, assim como, o sistema de cartões foi sendo difundido para outros países, com a expansão das tecnologias da informação e mais tarde dos computadores. Isso foi importante para conectar os bancos, agências bancárias, casas de câmbio, lojas e outros estabelecimentos ampliando a rede de disponibilidade de uso de cartões de crédito, o que foi essencial para a difusão dos cartões de débito. Assim, nos anos 1970, muitos bancos já emitiam os dois tipos de cartões, o chamado "dinheiro de plástico", hoje tão popular.  

Criptomoedas ou moeda virtual

Em 2008 o programador Satoshi Nakamoto, um pseudônimo usado pelo criador (ou criadores) da primeira criptomoeda funcional, lançada em 2009 oficialmente com o nome de bitcoin. A ideia acabou com o tempo se tornando uma sensação nos anos seguintes, mas ainda hoje divide opiniões de economistas pelo mundo, havendo quem defenda as criptomoedas como uma alternativa ao dinheiro físico e aos sistemas finaneceiros tradicionais, e há quem aponte que as criptomoedas sejam usadas para lavagem de dinheiro e outros crimes, além de não ser uma forma financeira sustentável. (ULRICH, 2014). 

Enquanto as moedas e cédulas possuem um controle de cunhagem e impressão, fato esse que produzir tais suportes sem autorização é ilegal, por sua vez, as contas bancárias são registradas e verificáveis, o caso do bitcoin e outras criptomoedas é mais problemático, pois elas não estão vinculadas a bancos ou governos, apesar de possuírem registro criptografado (por isso o termo criptomoeda, ou seja, moeda codificada), no entanto, existem meios para burlar as formas de transação e até dificultar o rastreamento desses tipos de moedas virtuais. (ULRICH, 2014). 

Apesar dessa problemática, o uso de criptomoedas cresceu bastante nos últimos quinze anos por ter facilitado transações financeiras via online. Hoje já existem mais de vinte criptomoedas como a Bitcoin, a Ethereum, a Tether, a USD-Coin, a Binance, etc. Cada uma dessas moedas virtuais faz uso de suas próprias redes financeiras e blockchain (bases de dados nas quais operam as transações e produção desse dinheiro). 

Logo de várias criptomoedas, ao centro a Bitcoin, a primeira moeda virtual criada. 

O uso de criptomoedas demanda a criação de contas (ou carteiras virtuais) que recebam esse dinheiro, o qual depois será convertido para outras moedas reais através do câmbio. Além disso, dinheiro comum pode ser convertido em criptomoeda também. Cada criptomoeda possui sua própria conta online, embora possa se fazer câmbio entre elas também. 

E existe a prática da "mineração" em que usam-se programas os quais executam uma série de cálculos e outras atividades num blockchain, e à medida que essas atividades e cálculos são resolvidos, gera-se receita. Assim, algumas pessoas usam seus computadores ou servidores para deixarem efetuando essas atividades para gerar dinheiro para elas. Mas não é um processo fácil, demanda geralmente muitos computadores e alto gasto de energia, por conta disso, há quem faça descentralização, usando computadores de diferentes localidades. (ULRICH, 2014). 

Mas outra forma de gerar criptomoedas é através de vendas online, especialmente potencializadas pelos NFT (Non-fungible Token), que consistem em produtos virtuais únicos, não podendo ser substituídos, mas podem ser vendidos. Atualmente já existem sites especializados para criar NFT, lojas de comercialização de tais produtos, até jogos que permitem criar NFTs e se fazer o comércio dos mesmos. 

O uso de criptomoedas ainda não foi totalmente regulamentado, há países onde elas são proibidas, outros já permitem seu uso, mais restrito. Todavia, o crescimento dessas moedas virtuais levou alguns países a criar também seu dinheiro virtual, sendo este vinculado a seus bancos centrais, o que concederia maior segurança, confiabilidade e fiscalização das transações online. 

Referências bibliográficas

DAVIES, Glyn. A History of Money: From Ancient Times to the Present Day. Cardiff, University of Wales Press, 2002. 

MANDELL, Lewis. The credit card industry: a history. [s. l], Twayne Publishers, 1990. 

MARCHANT, Alexander. Do escambo à escravidão: as relações econômicas de portugueses e índios na colonização do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1980. 

ULRICH, Fernando. Bitcoin: a moeda na Era Digital. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2014.